domingo, 24 de março de 2013

Resenha - O que é Direito


A obra de Roberto Lyra Filho propõe explicar o que é Direito com uma linguagem simples e expressões do cotidiano, deixando o texto de fácil compreensão. O autor, falecido em 1986, foi um jurista e escritor brasileiro, professor da Universidade de Brasília nas áreas de Direito PenalDireito Processual PenalCriminologiaFilosofia JurídicaSociologia Jurídica e Direito Comparado. Suas linhas de pensamento são o Humanismo Dialético e a Filosofia e Sociologia Jurídica, tendo sido um importante pensador jurídico esquerdista do Brasil.
Essa obra é dividida em cinco capítulos: Direito e Lei; Ideologias jurídicas; Principais modelos de ideologia jurídica; Sociologia e direito e A dialética social do direito. Ao término da obra, o autor faz indicações de outras leituras.
No primeiro capítulo, Lyra Filho diferencia as palavras lei e direito. Segundo ele, a lei emana do Estado e, em última análise, está ligada à classe dominante, pois o Estado fica sob o controle dos detentores do poder econômico.  A legislação abrange Direito e Antidireito: isto é, o Direito propriamente dito, reto e correto, e a negação do Direito, distorcido pelos interesses do poder estabelecido. O Estado tenta convencer o povo de que não há nada acima da lei.
Segundo ele, o Direito não pode ser reduzido à legislação. Concebê-lo sob a ótica da totalidade implica analisá-lo dentro do processo histórico, relacionando legalidade e legitimidade nesse processo. A lei deve ser considerada um acidente no processo jurídico. O conceito de Direito não é algo acabado e perfeito, pois deve ser concebido imbricado à história das sociedades, as quais estão em constante processo de mudança.
No segundo capítulo, o autor traz as ideologias jurídicas. Trata primeiramente do termo ideologia de forma cronológica, que significou “o estudo da origem e funcionamento das idéias em relação aos signos que as representam” (p. 07), depois significava o conjunto de idéias de um grupo ou uma pessoa e, mais atualmente, ideologia seria o conjunto de idéias que levam a uma deturpação da realidade concreta.
A ideologia como falsa consciência é a deformação inconsciente da realidade, trazendo uma certeza tão grande que seria desnecessário demonstrá-la. A superação disso, segundo ele, aconteceria à medida que se raciocina a partir dela, fazendo incidir o senso crítico. A crise social desenvolve as contradições do sistema, podendo desenvolver uma conscientização. Lembrando Marx e Engels, o autor afirma que “a ideologia é cegueira parcial da inteligência entorpecida pela propaganda dos que a forjaram”. (p.09)
Isso se reflete nas ideologias jurídicas. Portanto, elas, assim como as outras, servem, segundo Lyra Filho, para dar expressão aos posicionamentos de classe. De acordo com a classe que está em ascensão, as ideias aceitas podem mudar e realmente mudam. O direito é usado como instrumento para a dominação e a injustiça, mas esse é um direito ilegítimo, um falso direito, nas palavras de Dalmo Dallari, como lembra o autor. (p. 14)
O terceiro capítulo trata dos principais modelos de ideologias. Dois dentre eles merecem ser realçados: o modelo das ideologias que se situam entre o direito positivo (positivismo) e o modelo das ideologias do direito natural (jurisnaturalismo). O modelo positivista preconiza a ordem estabelecida, a ordem é a justiça. As classes ou grupos dominantes o utilizam a fim de legalizarem sua conduta.
Segundo o autor, o direito positivo pode ser legalista, historicista/sociologista ou psicologista. O legalista indica a lei como algo superior; o historicista ou sociologista preconiza os costumes, um produto do “espírito do povo”, mas que, na realidade, são costumes da classe dominante mascarados, apontando um direito que só serve para o controle social; e, por fim, o psicologista aponta a legislação como algo muito estreito para os “sentimentais” e para os “realistas” do direito, que acabam por servir à ordem estabelecida, mantendo a estrutura em perfeito funcionamento.
O modelo jurisnaturalista indica o direito natural, que se baseia em princípios imortais, invariantes e constantes. Há três formas de direito natural: o cosmológico, ligado ao universo físico; o teológico, voltado para Deus; e o antropológico, que gira em torno do homem. Segundo o autor, o jurisnaturalismo oscila entre dois pólos: o direito natural conservador, que justifica e legitima a ordem social estabelecida; e o de combate, que se concentra na luta de classes e na liberação de grupos oprimidos. Dessa forma, segundo Lyra Filho, somente a dialética poderia superar a oposição criada entre direito positivo e direito natural.
No quarto capítulo, Sociologia e Direito, Lyra Filho aponta a Sociologia Histórica de Marx e Engels e não a burguesa de Comte, com a finalidade de uma visão sociológica do Direito para que se possa compreender o fenômeno jurídico na vida social. Há duas formas de ver as relações entre Sociologia e Direito: a que produz uma Sociologia Jurídica e outra que origina a Sociologia do Direito. A Sociologia Jurídica estuda o Direito em geral como elemento do processo sociológico. Estuda o Direito como instrumento de controle ou de mudanças sociais. Examina também as diferentes ordens normativas provenientes da separação em classes sociais. É um capítulo da Sociologia Geral.
Já a Sociologia do Direito estuda a base social de um direito específico. É o estudo particular de “casos sociológicos”, sendo mais capítulo da História Social. Como exemplo, o autor cita a análise da forma pela qual o nosso direito estatal reflete a sociedade brasileira em suas linhas gerais, no contexto da ditadura militar, o qual ele vivia.
Na Sociologia Geral, há duas posições: a Sociologia da estabilidade, harmonia e consenso, do burguês mais franco; e a Sociologia da mudança, do conflito e coação, da pequena burguesia. O que há de comum nos dois modelos é a tentativa de afastar o aprofundamento dialético. Dessa forma, o autor busca realizar a tarefa de delinear um modelo sociológico dialético a fim de compreender melhor o que é o direito.
No quinto e último capítulo, o autor traz a Dialética Social do Direito, buscando concluir as idéias até então discorridas. Ele diz que há uma sociedade internacional heterogênea (países capitalistas, socialistas, “não-alinhado”, terceiro mundo), na qual ressoa a correlação de forças que se articulam na dialética do poder e da contestação, das acomodações e confrontações. (p. 43)
Já nas sociedades nacionais, há um único modo de produção, onde as classes se dividem e aparecem também as divisões grupais. Essa luta de classes, a oposição entre opressores e oprimidos, é que movimenta a dialética social e a vertente jurídica. Tanto na sociedade capitalista, quanto na socialista, os direitos humanos são desprezados, quando da opressão dos grupos, inclusive pelas leis.
Ele traz a dialética do direito: o direito e o antidireito (objetivado em normas), que constituem um elo do processo, abrindo espaço para a síntese, a superação. Somente com a fundamentação jurídica é possível uma revolução ou uma reforma e, só politicamente, elas podem se instrumentalizar, possuindo chance de triunfar.  O que o autor quer dizer é que a síntese, o resultado final do processo dialético, vai inserir-se no processo mesmo, processo histórico-social, em sua totalidade e transformações, pois a humanidade continua progredindo em sua caminhada histórica. (p. 50)
A justiça, para ele, antes de tudo, é justiça social, resultado das árduas lutas sociais, que levam a uma sociedade na qual não há a exploração nem a opressão do homem pelo homem. O Direito é a expressão desses princípios, enquanto modelo avançado de legítima organização social da liberdade. O Direito, em resumo, é a positivação da liberdade conscientizada e conquistada nas lutas sociais e formula os princípios supremos da Justiça Social trazidas por essas lutas. (p. 57)
Lyra Filho finaliza seu pequeno livro com as palavras de Marx e Engels: “o livre desenvolvimento de cada um é condição para o livre desenvolvimento de todos”. Dessa forma, para o autor, isto é Direito, em sua “essência”, seu modelo e sua finalidade, o resto ou é conseqüência, que deve ser determinada no processo evolutivo, ou é deturpação, que deve ser combatido, já que é um obstáculo ao progresso jurídico da humanidade. (p. 59)
O livro de Lyra Filho deixa evidente seu posicionamento político e jurídico esquerdista. Ele não nos apresenta de forma clara a resposta para a pergunta “O que é Direito?”, mas dá dicas do que ele acredita que seja, embasado em autores como Marx e na teoria crítica. A dialética é o método que deve ser usado para compreender a sociedade e o direito em si, numa perspectiva sociológica.  
Assim, o grande problema está na redução do direito à legalidade e esta, por sua vez, é usada pela classe dominante para manipulação e controle da massa e manutenção do status quo. Falamos aqui da influência negativa das ideologias jurídicas, as quais contribuem para a manifestação do antidireito, ou seja, a negação do direito, já que ele não seria para o benefício de todos. 
Este autor mais parece um outsider da área jurídica, com muitos pensamentos que provavelmente não são disseminados na faculdade ou no fazer profissional. Porém, ele vem ao encontro do posicionamento do Serviço Social com relação ao referencial teórico-metodológico adotado. Dessa forma, pode-se entender que, para ele, o direito é justiça e liberdade de desenvolvimento do homem.
O autor é um tanto redundante e pouco objetivo às vezes, mas seu mérito está na compreensão do direito como algo dialético, que se modifica com as mudanças sociais, as quais são resultado de relações sociais complexas e contraditórias. A partir dessa compreensão e articulando-a a outras questões de ordem econômica e social, será possível alcançar a emancipação da classe oprimida e conseqüente emancipação humana através da equidade, da consolidação e do exercício da cidadania, da democracia, da ética, da autonomia e participação popular e política.
A construção de uma nova sociedade cabe a todos nós, enquanto coletividade, apesar da diversidade dos grupos e singularidade de cada um, a união em busca de uma sociedade mais juta e sem discriminação é crucial para essa construção e reconstrução social. Podemos, portanto, assegurar que é através de um direito compreendido com base na dialética social é que se pode alcançar a verdadeira essência do direito, a liberdade humana e a justiça social.

LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982. Disponível em: <http://ebooksgratis.com.br/livros-ebooks-gratis/tecnicos-e-cientificos/direito-o-que-e-direito-roberto-lyra-filho-colecao-primeiros-passos/>. Acesso em 12 mar de 2012.