A obra de Roberto Lyra Filho propõe explicar o que é Direito com uma
linguagem simples e expressões do cotidiano, deixando o texto de fácil compreensão.
O autor, falecido em 1986, foi um jurista e escritor brasileiro, professor da
Universidade de Brasília nas áreas de Direito
Penal, Direito Processual Penal, Criminologia, Filosofia Jurídica, Sociologia Jurídica e Direito
Comparado. Suas linhas de pensamento são o Humanismo Dialético e a Filosofia
e Sociologia Jurídica, tendo sido um importante pensador jurídico esquerdista
do Brasil.
Essa obra é dividida em cinco capítulos: Direito e Lei; Ideologias
jurídicas; Principais modelos de ideologia jurídica; Sociologia e direito e A
dialética social do direito. Ao término da obra, o autor faz indicações de
outras leituras.
No primeiro capítulo, Lyra Filho diferencia as palavras lei e direito.
Segundo ele, a lei emana do Estado e, em última análise, está ligada à classe
dominante, pois o Estado fica sob o controle dos detentores do poder econômico. A legislação abrange Direito e Antidireito:
isto é, o Direito propriamente dito, reto e correto, e a negação do Direito, distorcido
pelos interesses do poder estabelecido. O Estado tenta convencer o povo de que
não há nada acima da lei.
Segundo ele, o Direito não pode ser reduzido à legislação. Concebê-lo sob
a ótica da totalidade implica analisá-lo dentro do processo histórico,
relacionando legalidade e legitimidade nesse processo. A lei deve ser
considerada um acidente no processo jurídico. O conceito de Direito não é algo
acabado e perfeito, pois deve ser concebido imbricado à história das sociedades,
as quais estão em constante processo de mudança.
No segundo capítulo, o autor traz as ideologias jurídicas. Trata
primeiramente do termo ideologia de forma cronológica, que significou “o estudo
da origem e funcionamento das idéias em relação aos signos que as representam”
(p. 07), depois significava o conjunto de idéias de um grupo ou uma pessoa e,
mais atualmente, ideologia seria o conjunto de idéias que levam a uma
deturpação da realidade concreta.
A ideologia como falsa consciência é a deformação inconsciente da
realidade, trazendo uma certeza tão grande que seria desnecessário demonstrá-la.
A superação disso, segundo ele, aconteceria à medida que se raciocina a partir
dela, fazendo incidir o senso crítico. A crise social desenvolve as
contradições do sistema, podendo desenvolver uma conscientização. Lembrando
Marx e Engels, o autor afirma que “a ideologia é cegueira parcial da
inteligência entorpecida pela propaganda dos que a forjaram”. (p.09)
Isso se reflete nas ideologias jurídicas. Portanto, elas, assim como as
outras, servem, segundo Lyra Filho, para dar expressão aos posicionamentos de
classe. De acordo com a classe que está em ascensão, as ideias aceitas podem
mudar e realmente mudam. O direito é usado como instrumento para a dominação e
a injustiça, mas esse é um direito ilegítimo, um falso direito, nas palavras de
Dalmo Dallari, como lembra o autor. (p. 14)
O terceiro capítulo trata dos principais modelos de ideologias. Dois
dentre eles merecem ser realçados: o modelo das ideologias que se situam entre
o direito positivo (positivismo) e o modelo das ideologias do direito natural
(jurisnaturalismo). O modelo positivista preconiza a ordem estabelecida, a
ordem é a justiça. As classes ou grupos dominantes o utilizam a fim de
legalizarem sua conduta.
Segundo o autor, o direito positivo pode ser legalista,
historicista/sociologista ou psicologista. O legalista indica a lei como algo
superior; o historicista ou sociologista preconiza os costumes, um produto do
“espírito do povo”, mas que, na realidade, são costumes da classe dominante
mascarados, apontando um direito que só serve para o controle social; e, por
fim, o psicologista aponta a legislação como algo muito estreito para os
“sentimentais” e para os “realistas” do direito, que acabam por servir à ordem
estabelecida, mantendo a estrutura em perfeito funcionamento.
O modelo jurisnaturalista indica o direito natural, que se baseia em
princípios imortais, invariantes e constantes. Há três formas de direito
natural: o cosmológico, ligado ao universo físico; o teológico, voltado para
Deus; e o antropológico, que gira em torno do homem. Segundo o autor, o
jurisnaturalismo oscila entre dois pólos: o direito natural conservador, que
justifica e legitima a ordem social estabelecida; e o de combate, que se
concentra na luta de classes e na liberação de grupos oprimidos. Dessa forma, segundo
Lyra Filho, somente a dialética poderia superar a oposição criada entre direito
positivo e direito natural.
No quarto capítulo, Sociologia e Direito, Lyra Filho aponta a Sociologia
Histórica de Marx e Engels e não a burguesa de Comte, com a finalidade de uma
visão sociológica do Direito para que se possa compreender o fenômeno jurídico
na vida social. Há duas formas de ver as relações entre Sociologia e Direito: a
que produz uma Sociologia Jurídica e outra que origina a Sociologia do Direito.
A Sociologia Jurídica estuda o Direito em geral como elemento do processo
sociológico. Estuda o Direito como instrumento de controle ou de mudanças
sociais. Examina também as diferentes ordens normativas provenientes da
separação em classes sociais. É um capítulo da Sociologia Geral.
Já a Sociologia do Direito estuda a base social de um direito específico.
É o estudo particular de “casos sociológicos”, sendo mais capítulo da História
Social. Como exemplo, o autor cita a análise da forma pela qual o nosso direito
estatal reflete a sociedade brasileira em suas linhas gerais, no contexto da
ditadura militar, o qual ele vivia.
Na Sociologia Geral, há duas posições: a Sociologia da estabilidade,
harmonia e consenso, do burguês mais franco; e a Sociologia da mudança, do
conflito e coação, da pequena burguesia. O que há de comum nos dois modelos é a
tentativa de afastar o aprofundamento dialético. Dessa forma, o autor busca
realizar a tarefa de delinear um modelo sociológico dialético a fim de
compreender melhor o que é o direito.
No quinto e último capítulo, o autor traz a Dialética Social do Direito,
buscando concluir as idéias até então discorridas. Ele diz que há uma sociedade
internacional heterogênea (países capitalistas, socialistas, “não-alinhado”,
terceiro mundo), na qual ressoa a correlação de forças que se articulam na
dialética do poder e da contestação, das acomodações e confrontações. (p. 43)
Já nas sociedades nacionais, há um único modo de produção, onde as
classes se dividem e aparecem também as divisões grupais. Essa luta de classes,
a oposição entre opressores e oprimidos, é que movimenta a dialética social e a
vertente jurídica. Tanto na sociedade capitalista, quanto na socialista, os
direitos humanos são desprezados, quando da opressão dos grupos, inclusive
pelas leis.
Ele traz a dialética do direito: o direito e o antidireito (objetivado em
normas), que constituem um elo do processo, abrindo espaço para a síntese, a
superação. Somente com a fundamentação jurídica é possível uma revolução ou uma
reforma e, só politicamente, elas podem se instrumentalizar, possuindo chance
de triunfar. O que o autor quer dizer é
que a síntese, o resultado final do processo dialético, vai inserir-se no
processo mesmo, processo histórico-social, em sua totalidade e transformações,
pois a humanidade continua progredindo em sua caminhada histórica. (p. 50)
A justiça, para ele, antes de tudo, é justiça social, resultado das árduas
lutas sociais, que levam a uma sociedade na qual não há a exploração nem a
opressão do homem pelo homem. O Direito é a expressão desses princípios,
enquanto modelo avançado de legítima organização social da liberdade. O
Direito, em resumo, é a positivação da liberdade conscientizada e conquistada
nas lutas sociais e formula os princípios supremos da Justiça Social trazidas
por essas lutas. (p. 57)
Lyra Filho finaliza seu pequeno livro com as palavras de Marx e Engels:
“o livre desenvolvimento de cada um é condição para o livre desenvolvimento de
todos”. Dessa forma, para o autor, isto é Direito, em sua “essência”, seu modelo
e sua finalidade, o resto ou é conseqüência, que deve ser determinada no processo
evolutivo, ou é deturpação, que deve ser combatido, já que é um obstáculo ao
progresso jurídico da humanidade. (p. 59)
O livro de Lyra Filho deixa evidente seu posicionamento político e
jurídico esquerdista. Ele não nos apresenta de forma clara a resposta para a
pergunta “O que é Direito?”, mas dá dicas do que ele acredita que seja,
embasado em autores como Marx e na teoria crítica. A dialética é o método que
deve ser usado para compreender a sociedade e o direito em si, numa perspectiva
sociológica.
Assim, o grande problema está na redução do direito à legalidade e esta,
por sua vez, é usada pela classe dominante para manipulação e controle da massa
e manutenção do status quo. Falamos
aqui da influência negativa das ideologias jurídicas, as quais contribuem para
a manifestação do antidireito, ou seja, a negação do direito, já que ele não
seria para o benefício de todos.
Este autor mais parece um outsider
da área jurídica, com muitos pensamentos que provavelmente não são disseminados
na faculdade ou no fazer profissional. Porém, ele vem ao encontro do
posicionamento do Serviço Social com relação ao referencial teórico-metodológico
adotado. Dessa forma, pode-se entender que, para ele, o direito é justiça e liberdade de desenvolvimento do homem.
O autor é um tanto redundante e pouco objetivo às vezes, mas seu mérito
está na compreensão do direito como algo dialético, que se modifica com as
mudanças sociais, as quais são resultado de relações sociais complexas e
contraditórias. A partir dessa compreensão e articulando-a a outras questões de
ordem econômica e social, será possível alcançar a emancipação da classe
oprimida e conseqüente emancipação humana através da equidade, da consolidação e
do exercício da cidadania, da democracia, da ética, da autonomia e participação
popular e política.
A construção de uma nova sociedade cabe a todos nós, enquanto
coletividade, apesar da diversidade dos grupos e singularidade de cada um, a
união em busca de uma sociedade mais juta e sem discriminação é crucial para
essa construção e reconstrução social. Podemos, portanto, assegurar que é
através de um direito compreendido com base na dialética social é que se pode
alcançar a verdadeira essência do direito, a liberdade humana e a justiça
social.
LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982. Disponível em: <http://ebooksgratis.com.br/livros-ebooks-gratis/tecnicos-e-cientificos/direito-o-que-e-direito-roberto-lyra-filho-colecao-primeiros-passos/>. Acesso em 12 mar de 2012.